Níveis e Graus de Evidência da ESC
Sabemos que as diretrizes clínicas (ou recomendações) são fundamentais para a prática clínica.
As diretrizes clínicas resumem o conhecimento médico atual, avaliam os benefícios e malefícios dos procedimentos e tratamentos diagnósticos e fornecem recomendações específicas. Eles podem ser usados por razões indubitavelmente boas, como recomendar aos médicos como lidar com os pacientes, mas também por razões menos benevolentes, como alegações de negligência, onde as diretrizes são usadas e mal utilizadas como evidência jurídica.
Quanto mais aprendemos sobre como as diretrizes são feitas, mais percebemos que essas não são verdades universais. Quando uma força-tarefa se reúne para elaborar uma diretriz, ela precisa lidar com diferentes níveis de incerteza. É uma boa prática refletir esse nível de incerteza nas diretrizes clínicas.
Aqui vamos explorar um exemplo muito direto e simples com a estrutura da ESC (Sociedade Europeia de Cardiologia) para avaliar as evidências
Vamos começar com uma questão clínica…
Imagina que és um jovem médica a avaliar uma doente de 72 anos com insuficiência cardíaca congestiva e anemia (baixos níveis de hemoglobina) e te perguntas…
Devo usar agentes estimuladores de eritropoietina*?
*um medicamento que leva a medula óssea, a fábrica de glóbulos vermelhos, a produzir mais glóbulos e hemoglobina.
Em caso de dúvida, podes consultar as recomendações mais recentes sobre o assunto... Neste caso, vejamos as 2021 ESC Guidelines para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca aguda e crônica. Aqui encontramos esta tabela.
Resposta curta: Os agentes estimulantes da eritropoietina não são recomendados na ausência de outras indicações*
*estas “indicações” estão fora do contexto deste artigo.
Mas apercebes-te que há duas colunas com as letras “III e B” (com belos fundos coloridos).
O que eles realmente significam? Eles têm alguma utilidade?
Primeiro — Classe de recomendação — O QUE dizem as recomendações?
A classe de recomendação reflete o nível de concordância entre os especialistas no grupo de trabalho para as recomendações.
Podemos dividi-los em
- Sim, avança, todos concordamos – Classe I;
- Bem, pode ajudar se fizeres isso, não é unânime mas enfim… Classe II (IIa e IIb);
- Não, evita fazer isso, todos concordamos — Classe III
Segundo Nível de Evidência – QUÃO FORTE é a afirmação?
Agora que sabemos o QUE as recomendações nos tentam dizer (classe de recomendação), chegamos à segunda etapa. Quão forte é essa afirmação? Ou quão bem apoiada é a recomendação? Aqui vem a segunda letra; A, B ou C.
Em outros artigos da Epidence , aprofundamos o desenho de diferentes estudos. Por enquanto fixa que ensaios clínicos randomizados (ECRs) e metanálises são o gold standard.
De volta ao exemplo anterior, o grupo de trabalho recomenda fortemente contra o uso de agentes estimulantes da eritropoietina
“Então, isso significa que todas as evidências que não são Classe I ou III e Nível A são inúteis? Certo?
ERRADO
Basta ter em mente as seguintes questões:
- Os ensaios clínicos são muito caros — Um medicamento eficaz pode nunca ter sido testado para uma determinada indicação em um ensaio clínico apenas porque um ECR é muito caro para testar um medicamento não patenteado (não há retorno potencial do investimento para o patrocinador);
- Os estudos observacionais não são inferiores aos ensaios clínicos — Os ensaios clínicos são "perfeitos" porque garantem "validade interna" (todos os participantes precisam de passar por um conjunto de critérios de inclusão/exclusão) e a randomização evita vieses desconhecidos (em relação o resultado primário). No entanto… os participantes em RCT são geralmente “muito saudáveis” ou “muito específicos”, o que significa que os médicos têm que tomar decisões clínicas em pacientes mais doentes extrapolando dados de RCTs realizados em pacientes mais saudáveis. Os estudos observacionais representam uma visão mais realista da população;
- A opinião de especialistas não é tão inútil quanto parece — Quando vamos a um médico, não procuramos alguém com diploma para fazer escolhas cegas seguindo algoritmos. Geralmente, procuramos alguém com experiência clínica que possa tomar decisões médicas personalizadas usando as abordagens mais baseadas em evidências. Em outras palavras, estamos procurando uma opinião de especialistas. Algumas intervenções têm um efeito bem conhecido para determinadas condições e essa prática é passada por gerações mesmo quando não há dados sólidos de SLRs ou ECRs;
Mas pensava que havia apenas 4 níveis de evidência. Não havia um nível 5?... . Confuso?
Sim, a ESC usa um método exclusivo. Existem também outros métodos usados por outras sociedades científicas para avaliar evidências, como GRADE (Classificação de Recomendações, Avaliação, Desenvolvimento e Avaliação) e OCEBM (Oxford Center for Evidence -Medicina Baseada).
Para ler o artigo no Medium https:// medium.com/evidentebm/how-to-read-and-assess-guidelines-55d8e0d136c2
Disclosure
Fontes de McDonagh TA et al. Grupo de Documentos Científicos da ESC. Diretrizes da ESC 2021 para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca aguda e crônica. Eur Heart J. 2021 Set 21;42(36):3599–3726. doi: 10.1093/eurheartj/ehab368. Errata em: Eur Heart J. 2021 Oct 14;: PMID: 34447992. são usados aqui para fins educacionais, de acordo com a declaração "O conteúdo destas diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) foi publicado para uso pessoal e apenas para uso educacional”.
Este artigo NÃO fornece nenhum tipo de recomendação médica individual. Se precisares de aconselhamento médico, visita um médico licenciado no teu país.